A escrita é a pintura da voz.
Voltaire
A trajetória da escrita remonta a milhares de anos, quando a humanidade sentiu a necessidade de registrar não apenas eventos, mas também as operações primitivas de comércio. A escrita desempenha um papel vital na preservação da memória, impedindo que algo caia no esquecimento. De grande importância, ela marca o fim da Pré-História e o início da História.
Os primeiros registros escritos assumiram a forma de pictogramas, outras formas de escrita também foram verificados como a escrita cuneiforme, a escrita hieroglífica, a escrita chinesa e também o nosso atual e conhecido alfabeto latino, amplamente utilizado em todo o mundo.
Com raízes mistas fenícias, gregas e etruscas, o sistema gráfico latino é simples. Os etruscos, provenientes da Ásia Menor, adotaram o alfabeto grego, dando origem ao alfabeto latino, que se disseminou pela Europa com as conquistas romanas. Continue lendo nosso artigo para descobrir a origem do alfabeto latino e mergulhar nos detalhes das transformações que moldaram o nosso abecedário.
A verdadeira origem do alfabeto latino: da Fenícia a Roma
A origem do alfabeto latino é, na verdade, uma longa história de adaptações e apropriações culturais que atravessaram o mar Mediterrâneo por mais de mil anos. Nosso sistema de escrita atual não nasceu na Roma, mas sim no Oriente Médio.
Os primeiros sistemas de escrita ou alfabetos usavam centenas de símbolos, o que tornava um sistema difícil de aprender. O ponto de partida dessa história milenar é o sistema Proto-Sinaítico1, surgido por volta de 1700 a.C. no Sinai, que se baseava em hieróglifos egípcios, mas os utilizava de forma acrofônica, usando o primeiro som do nome de um objeto para representar esse som.
Foi o alfabeto fenício que consolidou esse princípio. Os fenícios, um povo que era conhecido pelo comércio marítimo, precisava de um sistema de escrita mais rápido e prático do que um sistema proto-sinaítico, foi então que por volta de 1000 a.C, eles desenvolveram um alfabeto puramente consonantal e com 22 caracteres.
O alfabeto fenício chegou à Grécia por volta do século VIII a.C. Ocorre que os gregos já falavam uma língua com grande riqueza vocálica e não conseguiam transcrever os seus sons usando apenas consoantes. Foi então que os gregos pegaram os sinais fenícios que representavam consoantes inexistentes no grego e transformá-los em vogais2.
Essa adaptação dos gregos se tornou o primeiro sistema de escrita completo, com consoantes e vogais, o que o torna o ancestral praticamente direto de todos os sistemas alfabéticos modernos. Em resumo, a representação fonética foi desenvolvida pelos fenícios, resultando em 22 sinais aos quais foram acrescentadas as vogais pelos gregos, ao mesmo tempo que foram abandonadas as letras cujos sons não existiam nessa cultura, passando, assim, a ser representada por 24 sinais. Dessa evolução surge o nosso alfabeto, hoje composto por 26 letras, que tem origem no sistema greco-romano.
O alfabeto latino, base da língua latina, nasceu por volta do século VI a.C, na Itália. Na época, o sistema de escrita era fluido, permitindo a escrita da direita para a esquerda, da esquerda para a direita ou alternando entre os dois sistemas.
Etrusco: O ancestral do nosso alfabeto latino
Os sistemas de escrita nasceram em diferentes partes do globo e em diferentes momentos. Registros de escrita foram verificados na Mesopotâmia, no Egito antigo, na China e na América Central.

É preciso lembrar que nosso alfabeto vem da região de Canaã, que hoje corresponde ao Oriente Médio (Líbano, Israel, Síria, Jordânia, Sinai). Ou seja, nosso alfabeto tem origem semítica. De base, os hieróglifos egípcios foram usados para construir pouco a pouco o alfabeto que conhecemos hoje. Usamos um alfabeto pseudo-hieroglífico consonantal.
Ao mesmo tempo, e bem antes do surgimento do dicionário do latim moderno, uma escrita cuneiforme nascia na região da Fenícia. As consoantes também eram dominantes. Mais tarde, os gregos pegaram este alfabeto fenício adicionando vogais para se adaptarem à sua língua. O alfabeto grego deu origem ao alfabeto etrusco, que é a fonte do alfabeto que usamos hoje. Os etruscos vieram, a priori, da Ásia Menor de acordo com Heródoto, mas essa teoria não está confirmada.
Os etruscos chegaram à Toscana por volta do século VII a.C e adotaram o alfabeto grego para transcrever uma língua ainda hoje misteriosa. De fato, os especialistas ainda não conseguiram entender e traduzir, ainda que tenham aprendido a ler essa língua. A civilização etrusca se espalhou por toda a Itália e pouco a pouco o alfabeto etrusco foi imposto em toda a Europa, ao ritmo das conquistas romanas.
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Todas as outras línguas e escrituras locais desapareceram. No século III a.C, havia 19 letras no alfabeto. O, X, Y e Z serão adotados mais tarde diretamente na herança grega. O alfabeto etrusco continha letras inúteis de acordo com o sistema fonológico da língua etrusca. Sabe-se que a vogal "O" não foi usada, mas encontrará sua utilidade entre os romanos.
A história do alfabeto latino, datando de milhares de anos, possui ainda muitos mistérios a serem desvendados. O que sabemos é que o alfabeto etrusco serviu de ponte direta para o alfabeto romano antigo e alfabeto latino antigo.
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O Alfabeto Latino Clássico: as 23 letras do Império Romano
O período entre o século I a.C ao século I d.C. é considerado a era de ouro da língua e literatura latina. É nessa época que o alfabeto latino clássico se consolida, estabelecendo o padrão que seria a base para todas as línguas ocidentais subsequentes.
O alfabeto latino clássico era composto por 23 letras, diferente do nosso moderno alfabeto de 26 letras.
Uma das mudanças mais significativas do alfabeto romano antigo para o alfabeto latino clássico foi a criação da letra G. No Latim Arcaico, a letra C era utilizada para representar dois fonemas distintos: a oclusiva velar surda /k/ como em casa e a oclusiva velar sonora /g/ como em gato. Mas essa dualidade de sons gerava alguma confusão.
Relatos de Plutarco, no século III a.C., credita a Spurius Carvilius Ruga a modificação do C para criar o G acrescentando um pequeno traço vertical.
Letras latinas: o sistema de escrita dos povos romanos
Na época dos romanos, a escrita é utilizada em função da memória dos grandes homens. Na verdade, encontramos com frequência epitáfios convidando as pessoas a glorificar a pessoa enterrada.
Assim, a democratização da escrita não ocorre e a taxa de alfabetização é estimada em apenas 30% dos homens adultos. Crianças, tanto os meninos como as meninas, aprendiam a ler e escrever com a a ajuda de um magistrado, mas essa educação era reservada para as famílias de prestígio.
Muitas vezes o aprendizado da leitura e da escritura possuía um significado religioso nos tempos romanos. De fato, pensava-se que desenvolver o intelecto de alguém poderia garantir uma vida melhor após a morte para o falecido e até obter acesso à imortalidade.

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Desse período, foram encontrados alguns artefatos onde a escrita e a declinação latina estão presentes: paredes e tabletes, frequentemente feitos de cera. Muito poucos pergaminhos foram encontrados, especialmente porque era muito difícil conseguir muitos deles na época.
É somente entre os séculos I e V que os pergaminhos de papiro se espalharam dando origem a uma nova forma de trabalho: o códice. A pontuação não existia naquela época e para ajudar os palestrantes em sua fala, os intervalos eram simplesmente marcados por um retorno à linha. A escrita depende da fala e não serve para transcrever a expressão oral.
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No início, existiam apenas letras maiúsculas no alfabeto latino até o período carolíngio (século IX), quando a palavra escrita gradualmente se separa da palavra falada e introduz letras minúsculas, as quais aprendiam-se nas aulas de latim.
Alfabeto latino: das maiúsculas à chegada das minúsculas
No contexto da conquista romana, a escrita se modifica e evolui. Os vestígios dos idiomas semítico e fenício estão cada vez mais distantes. Dois tipos de letras maiúsculas se verificam:
O capitalis rustica (século I a. C.), caracterizado por uma certa liberdade e uma linha delgada
O capitalis quadrata (século IV), caracterizado por uma maior disciplina e uma forma quadrada
A escrita foi usada para transcrever poemas como os de Virgílio e histórias literárias, mas também é usada para falar sobre os méritos de um cidadão nas paredes da cidade e imortalizar seu discurso em bronze ou pedra.
Será na vida cotidiana que a escritura conhecerá sua maior evolução.
Autor desconhecido
Usada para a comunicação por cartas, diplomas ou contratos de vendas, a escrita ganha forma e simplifica a si mesmo e a ligação entre as letras se fazem gradualmente. As letras maiúsculas começam a serem grafadas de forma diferente dando origem à escrita chamada cursiva romana.
A minúscula surge somente no século terceiro através da escrita vulgar (do povo) nas línguas latinas. As letras, originalmente muito quadradas, tornam-se progressivamente redondas e especialmente em textos religiosos cristãos.

É Carlos Magno quem endossa o uso de letras minúsculas para estabelecer sua autoridade quando ele chega ao poder em 771. A escrita é então reformada. Todos os textos devem agora ser copiados em minúscula carolina. Nossa redação atual decorre dessa padronização.
Veja também todas as línguas que tiveram origem no latim.
Curiosidades sobre o alfabeto romano
Nos primeiros séculos do uso do alfabeto romano, herdado dos fenícios e bem longe da escrita hieroglífica de tradição egípcia, vários fatos podem ser notados:
| Curiosidades do Alfabeto Romano |
|---|
| Não se fazia distinção entre o U e o V. Apenas o V existia, sendo a forma das letras ainda muito quadrada na época |
| V tinha o valor fonêmico de /u/ e /w/ |
| A letra G não existia. A consoante C representava ambos os fonemas / k / e / g /. Característica herdada diretamente do grego |
| A letra K era usada como a letra C, tendo sido mantida apenas em poucas palavras e na frente de um A |
| A letra Z não existia, sendo desnecessária devido a certas mudanças fonéticas |
| A letra Q era uma variante da letra K, usada apenas na frente de um U. |
| I tinha o valor fonêmico de /i/ e /j/. |
O alfabeto latino arcaico contava apenas com vinte letras, eram elas:
A, B, C, D, E, F, H, I, K, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, V, X.
Já na sua versão gráfica clássica, depois do século terceiro, o alfabeto contava com vinte e três letras, sendo elas:
A, B, C, D, E, F, G, H, I, K, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, V, X, Y, Z.
Como podemos notar, as letras J, U e W não existiam. Essas letras aparecerão mais tarde, com o arredondamento da caligrafia e, claro, com o uso. Refletindo uma evolução fonética das línguas neolatinas como o português, o espanhol, o italiano, o francês e outras.
| Letra | Origem | Período de Formalização |
|---|---|---|
| J | Variante gráfica do I (a letra I era usada tanto para a vogal /i/ quanto para a consoante /j/) | Idade Média, formalizada no século XVI por tipógrafos. |
| U | Variante gráfica do V (a letra V era usada tanto para a vogal /u/ quanto para a consoante /w/) | Idade Média, formalizada na tipografia Renascentista |
| W | Representava um som germânico que não existia no latim. É literalmente um V dobrado. | Idade Média (Inglaterra e Alemanha), sendo uma das últimas letras a ser incorporada no alfabeto moderno. |
Conheça essas vinte expressões do latim que vão te fazer parecer mais erudito!
Evolução do alfabeto latino: como surgiram as letras do alfabeto
Depois do seu surgimento, o alfabeto e a língua latina não pararam de evoluir, atualmente o nosso alfabeto latino conta com vinte e seis letras. Porém, existem algumas variações como é o caso do espanhol que possui 27 letras em seu alfabeto (acréscimo da letra Ñ).
O apogeu do Império Romano e as guerras de conquistas levaram o latim popular, falado pelos soldados romanos para outras regiões da Europa, onde, interagindo com idiomas locais, deu origem às línguas neolatinas.
Conhecer a história do latim é compreender a origem da língua portuguesa:
Atualmente, o latim é a língua oficial da Igreja Católica, utilizado na produção dos documentos oficiais do Vaticano, seja da Cúria Romana, seja das entidades agregadas. As Universidades Pontifícias de Roma, por exemplo, expedem seus Diplomas em latim ainda hoje. Os documentos oficiais da Igreja Católica, originalmente escritos em latim, são imediatamente traduzidos no próprio Vaticano e distribuídos pelos diversos países já no idioma vernáculo, por isso muita gente estuda latim online.
Abaixo, uma estrutura detalhada com as evoluções e características fonéticas do alfabeto, comparando o alfabeto latino arcaico, clássico e moderno:
| Letra | Latim Arcaico (Existente?) | Latim Clássico (Existente?) | Fonema Clássico | Nome em Latim | Nota/Origem |
|---|---|---|---|---|---|
| A | Sim | Sim | /a/ ou /a:/ | ā | Presente desde as origens fenícias e gregas |
| B | Sim | Sim | /b/ | bē | Presente, mas o B e o D arcaicos eram usados de forma limitada no etrusco |
| C | Sim | Sim | /k/ (e antes /g/) | cē | Representava /k/ e /g/ no arcaico. Depois da invenção do G, ficou primariamente como /k/ |
| D | Sim | Sim | /d/ | dē | Presente em todos os períodos |
| E | Sim | Sim | /e/ ou /e:/ | ē | Do grego Épsilon |
| F | Sim | Sim | /f/ | ef | Derivado do Digamma grego e do Vau fenício. |
| G | Não | Sim | /g/ | gē | Invenção Romana, modificação do C para diferenciar /k/ e /g/ |
| H | Sim | Sim | /h/ | hā | Aspirado no início das palavras (Homo) |
| I | Sim | Sim | /i/, /i:/, ou /j/ | ī | Cobria a vogal /i/ e a consoante /j/ |
| J | Não | Não | N/A | N/A | Letra Medieval/Moderna. Separada do I na Idade Média para representar a consoante /j/ de forma clara. |
| K | Sim | Sim | /k/ | kā | Mantido, mas raro seu uso. |
| L | Sim | Sim | /l/ | el | Presente em todos os períodos |
| M | Sim | Sim | /m/ | em | Presente em todos os períodos |
| N | Sim | Sim | /n/ | en | Presente em todos os períodos |
| O | Sim | Sim | /o/ ou /o:/ | ō | O etrusco não o usava, mas foi essencial aos romanos |
| P | Sim | Sim | /p/ | pē | Presente em todos os períodos |
| Q | Sim | Sim | /kʷ/ | qū | Usado apenas em conjunto com V (hoje U) para o som /kw/ |
| R | Sim | Sim | /r/ ou /r:/ | er | Presente em todos os períodos |
| S | Sim | Sim | /s/ | es | Presente em todos os períodos |
| T | Sim | Sim | /t/ | tē | Presente em todos os períodos |
| U | Não | Não | N/A | N/A | Letra Medieval/Moderna. No Clássico, o V representava a vogal U e a consoante W. U foi criado para ser exclusivamente a vogal |
| V | Sim | Sim | /u/, /u:/ ou /w/ | vē | Representava tanto a vogal U quanto a consoante V/W |
| W | Sim | Sim | N/A | N/A | Letra Medieval/Moderna. Desenvolvida nas línguas germânicas, representando um "V" duplo. Não era necessária para o Latim |
| X | Sim | Sim | /ks/ | ex | Presente em todos os períodos |
| Y | Não | Sim | /y/ (som grego) | ī graeca | Reintroduzido junto com Z para transcrever palavras gregas, adicionado no final do alfabeto |
| Z | Existiu, foi removido | Sim | /z/ (som grego) | zēta | Excluído no Arcaico (substituído por G) e reintroduzido no Clássico para palavras gregas |
Em resumo, o alfabeto latino é muito mais do que um conjunto de 26 letras; é uma parte fundamental da história, cultura e comunicação global. Seu legado perdura, sendo utilizado em inúmeras línguas e desempenhando um papel crucial na disseminação de conhecimento e na expressão escrita em todo o mundo.
Compreender a origem do alfabeto latino, das inscrições em pedra do alfabeto romano antigo aos manuscritos do alfabeto latino clássico, é percorrer a história da civilização e expandir seu conhecimento sobre a profunda evolução do nosso atual sistema de escrita e do alfabeto usado nos dias atuais para escrever o nosso português e outros idiomas como o inglês, o francês, o italiano, o espanhol e muitos outros.
Referências
- Pappas, S. (22 de novembro de 2024). World’s Oldest Alphabet Found on an Ancient Clay Gift Tag. Fonte: Scientific American
- Batalha, E. (2 de dezembro de 2021). O Abecê da escrita. Fonte: Invivo Fiocruz:










Qual é o sobrenome da Joseane? Achei fantástico o artigo e preciso referenciá-lo em um trabalho acadêmico. Obrigado!!
Oi Rafael!
Joseane Moura (:
Nota mil
Mt bom !
Adorei o desenvolvimento didático do tema. Show!!! Amei!!!
Adorei, com detalhes que eu não conhecia. O latim é maravilhoso tanto nos signos de sua escrita, quanto na sua pronuncia. E o alfabeto usado por muitas nações,e parece que suplantou a escrita de muitos povos da antiguidade, sendo usado até para servir de alfabeto para lingua turca como por exemplo.
Muito bom! Parabéns pela pesquisa.
Tenho que aprender português na marra e o latim é o caminho. Obrigado. Fantini.