A Revolta da Vacina foi um dos episódios mais marcantes da história da saúde pública no Brasil. Não dá para definir essa revolta popular apenas como uma oposição a uma injeção, ela foi uma explosão popular de revolta contra o autoritarismo do Estado, as condições de vida precárias e a violação da autonomia sobre o próprio corpo. Durante uma semana do mês de novembro de 1904, o Rio de Janeiro, então capital federal, parou em meio a quebra-quebras e confrontos que marcaram como uma das maiores revoltas populares no Brasil.
Neste artigo sobre um capítulo da história do Brasil, vamos falar um pouco sobre as causas deste motim, o desenrolar da revolta e as consequências desse evento que teve como pano de fundo a genialidade e determinação de Oswaldo Cruz, o nome que se tornaria mais tarde sinônimo de saúde pública no Brasil.
Cenário de Caos: o Rio de Janeiro no início do Século XX
Para que possamos compreender melhor a Revolta da Vacina é importante visualizarmos o contexto histórico que acontecia na cidade do Rio de Janeiro, capital federal naquela época. O então presidente do Brasil, Rodrigues Alves (1902 - 1906) tinha um projeto de governo bastante ambicioso: o principal objetivo dele era transformar a capital em um cartão-postal brasileiro e uma "Paris dos Trópicos". Mas para que isso acontecesse, tinha um custo alto.
O prefeito da cidade, Pereira Passos, iniciou uma vasta reforma urbana, abrindo largas avenidas pela cidade e revitalizando o centro e a região litorânea. Mas para isso, era realizado a demolição dos cortiços, local que era a casa da população de baixa renda, e a expulsão da população pobre para os morros e subúrbios da cidade. Esse processo ficou conhecido como "Bota-Abaixo".
O processo conhecido por favelização começou nesta época, quando os cortiços foram destruídos e a população começou a ocupar os morros próximos.
Enquanto o Rio se modernizava na parte central e nobre, a população periférica enfrentava condições sanitárias deploráveis. A falta de saneamento básico, o lixo acumulando e a água contaminada era um terreno fértil para epidemias como a febre amarela, a peste bubônica, a tuberculose e a varíola. E foi nesse contexto de insatisfação com as reformas, o medo das doenças e a precariedade da população pobre que o estopim da revolta foi aceso.
pessoas
O descaso social e a falta de diálogo do governo com a população, a desinformação sobre a vacina também foram fatores que contribuíram para a revolta.
Além de todo esse cenário, o Brasil só havia implementado a República há menos de 15 anos. Grupos monarquistas ainda estavam descontentes com a perda dos títulos, os escravos recém abolidos não conseguiam empregos e viviam em condições insalubres nos cortiços, parte do exército não aprovava o regime republicano. Ou seja, existia um conjunto de fatores que estavam a deixar a população insatisfeita.
Conheça também outra revolta, a Inconfidência Mineira. O movimento que não chegou a acontecer pois foi delatado antes mesmo de começar mas mudou os rumos da história da monarquia Brasileira.
Oswaldo Cruz e a Campanha de Vacinação Obrigatória
A saúde pública não admite pausas.
Oswaldo Cruz
O jovem e rigoroso médico sanitarista Oswaldo Cruz foi nomeado como o diretor geral de Saúde Pública e o grande responsável por combater as epidemias que assolavam a população carioca. Cruz se inspirava nas descobertas de Louis Pasteur e adotou medidas modernas, porém extremamente autoritárias, para que pudesse controlar e erradicar as doenças.
Para combater a varíola o seu plano era claro e direto: vacinação em massa e obrigatório. Hoje nós temos conhecimento de que a vacina é a melhor forma de erradicar os vírus mais letais e perigosos, mas naquela época ainda havia algum receio em relação as vacinas. E a lei da vacinação obrigatória foi aprovada em 31 de outubro de 1904. A lei permitia que as brigadas sanitárias, muitas vezes acompanhadas de policiais, entrassem nas casas e vacinassem todos os moradores à força.
Era ainda exigido um atestado para comprovar a vacinação e matricular os filhos na escola, conseguir um emprego, viajar ou se hospedar em hotéis.
A população, que já estava ferida com as remoções forçadas e as condições de moradia viu essa lei como uma gota d'água suficiente para que o copo derramasse. Começou a espalharem boatos de que as vacinas não eram seguras, que eram feitas de sangue de animais doentes, que causaria sífilis, lepra ou outra doença. Diziam que as mulheres precisariam se despir em frente aos homens para que a vacina fosse aplicada.
Quando o termo fakenews ainda nem existia, as notícias falsas já circulavam. Os boatos espalhados sobre a vacina afirmavam que quem a tomasse ganhava aparência bovina.
Foi um verdadeiro burburinho entre a população, que já estava descontente, e ficou ainda mais com os protocolos de vacinação obrigatória.
Você sabia que o Brasil teve um período de ditadura antes do golpe de 1964? Conheça as fases da Era Vargas, incluindo o período ditatorial.
A Revolta Popular de 10 a 16 de novembro de 1904
A revolta não começou espontaneamente pela população, ela foi alimentada por opositores políticos do governo de Rodrigues Alves, como republicanos radicais e monarquistas, que viram na insatisfação da população uma oportunidade de desestabilizar o governo que encontrava-se no poder. O Brasil havia se tornado República há apenas 15 anos.
Em 10 de novembro de 1904 uma manifestação contra a vacina foi que marcou o início de tudo. Nos dias a seguir a cidade mergulhou em um verdadeiro caos.

Transportes paralisados: o bondes da cidade foram virados e incendiados, o que marcou a revolta.
Barricadas e confrontos: a população ergueu barricadas com móveis e pedras para enfrentarem a polícia e o exército nas ruas.
Saques e destruição: lojas e estabelecimentos forma alvos de saque, a cidade se transformou em um campo de batalhas e um cenário de guerra. Fiações elétricas foram rompidas e carros foram apedrejados.
Reação brutal do governo: o governo decretou estado de sítio, prendeu centenas de pessoas e deportou muitas outras para o Acre.
No dia 16 de novembro o exército, a polícia militar e o governo conseguiram conter a revolta, mas o recado estava dado e a população mostrou a sua força.
Por falar em intervenção militar, conheça o período de 21 anos em que o Brasil foi governado por militares no Golpe de 1964 e entenda também como ocorreu o "Milagre Econômico" neste período.
Consequências: uma vitória amarga da população
Curiosamente, a Revolta da Vacina foi, a longo prazo, um paradoxo. Apesar da população ter sido contida, eles venceram no curto prazo, pois o governo voltou atrás e suspendeu a obrigatoriedade da vacina e revogou a lei.

Descubra mais sobre o Ciclo do Ouro no Brasil Colonial percorrendo os caminhos da Estrada Real.
No entanto, as campanhas sanitárias de Oswaldo Cruz continuaram de forma mais branda e educativa. Aos poucos, a vacinação foi sendo aceita pela população e o resultado foi incontestável, em 1908 um novo surto de varíola matou apenas 0,3% dos vacinados, contra 36% dos não vacinados. Foi então que a população começou a se vacinar voluntariamente. O sucesso da campanha de vacinação fez com que Oswaldo Cruz deixasse de ser um vilão e se tornasse um herói nacional e um símbolo da vacinação no Brasil.
Um dos maiores legados da Revolta da Vacina foi a lição aprendida pelo governo do Estado. Ficou claro que a saúde pública não se faz a força e com decretos e leis, mas sobretudo com diálogo, educação, conscientização e respeito à população. O evento é um marco fundamental para se compreender a complexa história da saúde pública no Brasil, mostrando que há de se balancear a necessidade de políticas públicas coletivas e os direitos individuais.
A população precisa compreender que não vacinar não é apenas um risco individual como também um risco para todos. Doenças já erradicadas no país voltaram a aparecer recentemente graças à campanhas anti-vacinas pelo país. Para ficar por dentro de todas as vacinas disponíveis no SUS, fizemos uma tabela com todas as doses por idade:
| Idade | Vacina | Dose |
|---|---|---|
| Ao nascer | BCG Hepatite B | Dose única Dose ao nascer |
| 2 meses | VIP Rotavírus Pentavalente Pneumocócica | 1ª dose |
| 3 meses | Meningocócica C | 1ª dose |
| 4 meses | VIP Rotavírus Pentavalente Pneumocócica 10 | 2ª dose |
| 5 meses | Meningocócica C | 2ª dose |
| 6 meses | SPIKEVAX XBB VIP Pentavalente | 1ª dose 3ª dose 3ª dose |
| 7 meses | SPIKEVAX XBB | 2ª dose |
| 9 meses | Febre Amarela | Dose |
| 12 meses | Tríplice Viral Pneumocócica 10 Meningocócica C | 1ª dose Reforço Reforço |
| 15 meses | VIP DTP Tetra Viral Hepatite A | Reforço 1º Reforço Dose Dose |
| 4 anos | DTP Febre Amarela Varicela | 2º reforço Reforço Dose |
| 9 a 14 anos | HPV | Dose única |
| 6 a 16 anos | QDENGA | 1ª dose e após 3 meses 2ª dose |
| 11 a 14 anos | Meningocócica ACWY | Dose |
Além dessas vacinas tomadas na infância, anualmente há campanhas vacinais contra a gripe para idosos, crianças e profissionais da saúde. Há também vacinas específicas para gestantes, consulte sempre o seu médico sobre quais vacinas são necessárias durante todas as fases da vida. É importante se proteger e manter o cartão de vacinas em dia.
O alerta da Revolta da Vacina de 1904 permanece mais de um século depois. A confiança é um ingrediente tão vital para a saúde pública quanto qualquer vacina. E conquistar a confiança da população é um processo muito mais complexo do que vencer uma epidemia. É preciso um trabalho árduo de conscientização.









