Nem tudo que reluz é ouro.
Dito popular comumente atribuído a William Shakespeare
A história do Brasil Colônia tem um ponto de virada no século XVII para o século XVIII. Após queda da economia açucareira no Nordeste, que durante muitos anos era a principal fonte de renda da economia colonial, Portugal se viu em uma situação econômica delicada, pressionada pela concorrência internacional. Com os cofres esvaziando-se e os rumores da existência de veios de ouro e diamante no interior do território brasileiro, posteriormente confirmado com evidências concretas, acendeu uma nova chama de esperança e cobiça do governo português.
O chamado Ciclo do Ouro é um capítulo importante da História do Brasil e faz parte do desenvolvimento econômico e formação das cidades no interior do país. O ciclo da mineração definiu a geografia, a demografia, a sociedade, a cultura e a relação metrópole-colônia. Vamos explorar este fascinante período da nossa história, analisando a descobertas das minas e o profundo legado que a mineração deixou no Brasil. O Ciclo do Ouro moldou o caminho para os futuros passos do nosso país em direção a independência.
Gênese da Mineração: a conquista do sertão
O Ciclo do Ouro é o resultado de um processo de expansão territorial conhecido como Bandeirismo que vinha acontecendo para o interior do Brasil. No século XVII, as restrições de avanço para o oeste foram suspensas e abriu caminho para os habitantes da Vila de São Paulo de Piratininga avançarem para o interior do território brasileiro. As famosas bandeiras eram expedições armadas que avançavam pelos sertões brasileiros com dois objetivos centrais: caçar indígenas para escravizá-los e desmantelar os quilombos formados pelos escravos fugitivos.
No entanto, movidos pela crise do açúcar e também pelos rumores de que havia metais preciosos no interior do país, os bandeirantes paulistas, notavelmente resistentes e conhecedores do território, foram gradualmente mudando de foco, no lugar de caçar escravos, começaram a procurar por ouro. Algumas figuras lendárias emergiram nesta época:
Fernão Dias Paes Leme, o Barão de Pirapora: liderou uma grande bandeira entre 1674 e 1681 em busca das míticas esmeraldas. Ele não encontrou as esmeraldas, seu objetivo inicial, mas abriu caminho para a descoberta de outras riquezas minerais.
Manuel de Borba Gato: era genro de Fernão Dias. Após ser acusado de um crime, refugiou-se no interior e descobriu ricas minas de ouro na região de Sabará, em Minas Gerais. Posteriormente tornou-se Superintendente de Minas.
Borba Gato também foi uma das figuras centrais da Guerra dos Emboabas, conflito armado que ocorreu entre os anos de 1707 e 1709 pela disputa das minas de ouro recém-descobertas. Os Emboabas eram os migrantes de outras partes do Brasil e portugueses, liderados por Manuel Nunes Viana, que lutaram com os paulista, primeiros descobridores das minas, pelo direito da sua exploração.
A virada do século XVII para o século XVIII foi marcante. Por volta de 1690, bandeirantes lideradas por Antônio Rodrigues Arzão encontraram as primeiras amostras de ouro em Rio Casca, na capitania de Minas Gerais. A notícia sobre a descoberta de ouro se espalhou como pólvora. Em 1698, a descoberta de vastas jazidas em Vila Rica, posteriormente chamada de Ouro Preto, por Antônio Dias de Oliveira, confirmou a magnitude do achado.
Nas décadas seguintes, ondas sucessivas de descobrimentos se espalharam também por Goiás e Mato Grosso, expandindo ainda mais o território de exploração de metais preciosos. Foram esses eventos e essas personagens que iniciaram oficialmente o ciclo do ouro, desencadeando uma corrida que atraiu centenas de milhares de pessoas ao até então inexplorado interior da colônia. Esse episódio redesenhou completamente o mapa demográfico e a economia do Brasil.
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Técnicas, estrutura e uso de mão de obra escravizada na exploração do ouro
A extração do ouro no Brasil Colônia operava em dois sistemas principais, que refletiam principalmente a divisão social da época:
Faiscação: atividade individual de mineração, realizada por homens livres que trabalhavam de forma autônoma, com o uso de técnicas rudimentares como a bateia para cavar ouro nas margens dos rios.
Lavra: uma espécie de empresa de maior porte que demandava capital inicial. Os proprietários de lavras eram abastados "senhores de minas" e investiam na escavação de galerias subterrâneas e utilizavam de mão de obra escravizada.
A faiscação era um processo rudimentar, de sorte e suor, e sua escala era pequena e ineficiente. Já a lavra era a verdadeira espinha dorsal da extração de ouro, com catas (galerias subterrâneas) e sistemas de drenagem e desvio dos rios. O trabalho dos escravizados nas minas era considerado um dos mais brutais e exaustivos do período colonial.
Utensílio cônico, originalmente de madeira, usado no garimpo para separar metais pesados, como o ouro e o diamante, de materiais mais leves.
Os escravos passavam dias em galerias úmidas, instáveis e escuras, sob ameaças dos senhores e carrascos, além do risco de desmoronamento, mergulhados em água fria e manuseando as pesadas bateias durante muitas horas. A alimentação era ruim, as doenças pulmonares eram comuns e a expectativa de vida era curta. Devido ao risco de roubo do ouro, a vigilância era a base de muita violência.
Essa exploração desumana pré abolição da escravatura, foi a base para geração de riqueza durante o ciclo do ouro, gerando enormes lucros para os senhores das minas e para o governo de Portugal. Ao custo do sofrimento e da vida de milhares de seres humanos, foi construída uma riqueza incalculável.
Para que parte de toda a riqueza encontrada na colônia fosse revertida para os colonizadores, Portugal implementou algumas medidas de controle:
- Cobrança do Quinto: 25% de todo o ouro extraído na colônia deveria ser revertido para o Rei de Portugal.
- Derrama: pelo menos 1500kg de ouro deveria ser extraído por ano pela colônia. Caso esse mínimo não fosse atingido, Portugal ordenava a penhora de bens dos senhores das minas. Esse foi um dos grandes motivadores da revolta conhecida como Inconfidência Mineira.
- Capitação: era o imposto pago sobre a quantidade de escravos mantidos nas minas para extração do ouro.
Para garantir o pagamento dos tributos, Portugal criou as Casas de Fundição. É impossível saber o valor exato do outro que Portugal retirou do Brasil, pois os registros foram perdidos.
toneladas de ouro ou até mais do Brasil
O impacto social e urbano: o surgimento de uma nova sociedade no sudeste
A descoberta de tanta riqueza provocou um dos maiores fenômenos de migrações interna no território brasileiro. Foi uma verdadeira "febre do ouro" na colônia portuguesa e atraiu diversos Portugueses, em um processo de migração transatlântica, atraindo milhares de pessoas para a região das minas, que logo foi batizada de Minas Gerais. A capital do país migrou de Salvador para o Rio de Janeiro.

Comerciantes, padres, artesãos, soldados, aventureiros e muitas outras pessoas se dirigiram para as terras mineiras em busca de fazer fortuna ou simplesmente de sobreviver. A população da colônia explodiu e saltou para mais de 3 milhões de habitantes ao longo do século XVIII, e com a deslocação definitiva do eixo econômico do Nordeste açucareiro para o Sudeste.
Esse crescimento acelerado acabou por gerar uma urbanização acelerada, com acampamentos precários que rapidamente se transformaram em vilas e depois em cidades movimentadas como Vila Rica, Mariana, Sabará, Diamantina e São João Del-Rei. As cidades nasciam principalmente nas regiões mais montanhosa de Minas Gerais.
A concentração de riqueza no interior fez surgir uma nova sociedade, complexa e singular. No topo da pirâmide encontrava-se os grandes mineradores, os altos funcionários reais e os comerciantes abastados. No meio, havia a classe média urbana formada por tropeiros, artesãos especializados, advogados, militares e pequenos comerciantes. Na base da pirâmide encontravam-se os homens livres pobres e as pessoas escravizadas.
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Do auge ao declínio: a opressão fiscal portuguesa e o legado do ciclo do ouro
Para garantir que os encargos fiscais e a riqueza gerada nas minas fosse revertido para os cofres portugueses, a Coroa implementou um forte aparato de controle e cobranças extremamente rígido e, frequentemente, opressivo. O 'quinto', que garantia a Portugal 20% de todo o ouro extraído, era cobrado inicialmente nas Casas de Fundição, onde o ouro era fundido em barras. Mas devido ao contrabando, o sistema demonstrou-se ineficiente.

Foi então que em 1735, Portugal decretou que todo o ouro deveria obrigatoriamente passar pelas Casas de Fundição, proibindo a atuação de ourives nas vilas, o transporte do ouro em pó, aumentando a fiscalização para garantir que todo o ouro seria taxado. Esse sistema gerou insatisfação e foi uma das causas da Revolta de Vila Rica. Mais tarde, em 1750, o Marquês de Pombal institui a Derrama, um mecanismo usado para cobrar impostos caso a cota anual de 100 arrobas de ouro não fosse atingida. Nessa situação, soldados recolhiam à força a diferença em patrimônio dos donos das minas.
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Devido ao esgotamento das minas de ouro, atingir o peso exigido pela Coroa estava cada vez mais difícil. Essa pesadíssima carga tributária, somada ao esgotamento das jazidas, marcou o início do declínio do Ciclo do Ouro. A produção começou a cair vertiginosamente, deixando uma população endividada e uma região em crise.
Nesse contexto de insatisfação, alguns intelectuais juntaram-se em um movimento contra os desmandos da Coroa Portuguesa com inspirações na Revolução Francesa chamado de Inconfidência Mineira. O movimento foi delatado antes mesmo de se tornar uma revolta armada, mas foi um importante passo para a Independência do Brasil e construção da identidade nacional.
O legado do Ciclo do Ouro, entretanto, foi profundo e duradouro. Ele levou a população para o interior da colônia, levou a economia para novas regiões do país e tornou permanentemente o sudeste como centro econômico do país.